I Congresso Nacional de Cirugia Ambulatória
I CONGRESSO NACIONAL DE CIRURGIA AMBULATÓRIA
Póvoa de Varzim, 29 a 31 de Maio de 2000
Dr Paulo Lemos*
RELATÓRIO DO CONGRESSO
O I Congresso Nacional de Cirurgia Ambulatória, organizado pela Associação Portuguesa de Cirurgia Ambulatória (APCA), em colaboração com a Unidade de Cirurgia Ambulatória (UCA) e Serviço de Anestesiologia do Hospital Geral de Santo António (HGSA), o Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde (IGIF) e a Associação de Enfermeiros de Sala de Operações Portugueses (AESOP), decorreu de 29 a 31 de Maio de 2000, no Hotel Novotel Vermar, na Cidade da Póvoa de Varzim, com a presença de 530 participantes, maioritariamente médicos e enfermeiros. Incluiu ainda a realização da I Reunião Nacional de Enfermagem para Cirurgia Ambulatória, que teve lugar no dia 30 de Maio.
Estiveram representados oficialmente o Ministério da Saúde, na pessoa de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado da Saúde, Senhor Dr. José Miguel Boquinhas, em representação de Sua Excelência a Senhora Ministra da Saúde, e as diferentes Instituições Oficiais dependentes do Ministério da Saúde que maiores implicações têm na organização e planificação da Cirurgia Ambulatória (CA), e que tiveram uma participação activa ao longo do Congresso:
• Direcção-Geral da Saúde (Dr. Adriano Natário);
• Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos da Saúde - DGIES (Eng. Dias da Silva);
• Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde - IGIF (Dra. Maria do Céu Valente e Dra. Céu Mateus);
• Instituto de Qualidade em Saúde - IQS (Dr. Luís Pisco).
Estiveram ainda presentes um grupo de personalidades estrangeiras com relevo internacional e larga experiência no domínio da CA, das quais se destacam:
• Dr. Tom Ogg, Presidente da Associação Internacional de Cirurgia Ambulatória (IAAS);
• Prof. Paul Jarrett, Presidente da Associação Internacional de Cirurgia Ambulatória (IAAS) no biénio 1997-1999;
• Dr. Gérard Parmentier, Vice-Presidente da Associação Francesa de Cirurgia Ambulatória (AFCA);
• Dr. Manuel Giner, Vice-Presidente da Associação Espanhola de cirurgia Ambulatória (ASECMA);
• Prof. Johan Raeder, Presidente da Associação Norueguesa de Cirurgia Ambulatória (NAAS);
• Arquitecto Michel Seraqui, da NMS Architecture
Fazendo o ponto da situação, é legítimo pensar que a CA em Portugal não tem tido o desenvolvimento que se verifica noutros pontos do globo, em especial, na América do Norte, Europa e Oceania. De facto, com honrosas excepções, poucos são os hospitais públicos e privados nacionais com projectos em curso no âmbito da CA. Apesar das inúmeras vantagens, reconhecidas por todas as personalidades envolvidas no Congresso, que este novo conceito de tratar o doente cirúrgico tem a nível sanitário, económico e social:
1. SANITÁRIO:
1. clínicos - menor incidência de infecções adquiridas em meio hospitalar; menor incidência de complicações pós-operatórias, como sejam respiratórias, tromboembólicas, gastrointestinais, etc.
2. organizativas - resultante de uma maior eficiência na realização dos programas cirúrgicos, possibilitando a redução das extensas listas de espera cirúrgica existentes.
1. ECONÓMICO:
1. directamente, através da redução dos custos hospitalares (calculados entre 40 a 80%, mas dependentes do local e tipo de intervenções que são analisadas)
2. indirectamente, resultante da menor morbilidade ou da reintegração socio-profissional mais rápida, entre outras.
1. SOCIAL:
1. menor ruptura do normal ambiente socio-familiar dos doentes, em especial nas faixas etárias extremas, na pediatria e na geriatria
2. mais rápida integração socio-profissional, com repercussão mais importante na população adulta profissionalmente activa
3. maior humanização, através da criação de Unidades específicas e funcionais para a realização de programas de CA, onde o doente é o objectivo principal.
As razões que levaram o Reino Unido a desenvolver de forma definitiva a CA no início da década de 90, foram:
• Escassez de recursos económicos
• Escassez de pessoal de enfermagem
• Aumento das listas de espera cirúrgica
• Iminente explosão da população geriátrica
• Introdução da Cirurgia Mínima Invasiva
• Introdução de novos agentes anestésicos
sendo este regime cirúrgico hoje responsável por 63% de toda a cirurgia programada realizada em Inglaterra e no País de Gales (cerca de 2.5 milhões de intervenções cirúrgicas durante o ano de 1999).
Se juntarmos às razões anteriormente apontadas:
• Escassez de pessoal médico em algumas especialidades
• Escassez de camas hospitalares (em 1991, tínhamos cerca de 4,1 camas hospitalares por cada 1000 habitantes, e éramos o país comunitário com o índice mais baixo)
facilmente entendemos a necessidade urgente de desenvolvermos de forma inequívoca a CA em Portugal e conseguimos ter uma pequena ideia do que estamos a perder por adiarmos sucessivamente a sua implementação.
Durante o Congresso foram lançadas algumas ideias capitais:
1. Gerard Parmentier referiu a dada altura que "... a CA é uma inovação. Não é uma invenção. A cirurgia é a mesma. A organização é feita em torno do doente e não da profissão dominante. O doente é seleccionado de acordo com os critérios clínicos, psico-sociais e ambientais". Não se trata de escolher uma listagem de procedimentos cirúrgicos mas sim de seleccionar correcta e criteriosamente os doentes a incluir no programa de CA.
2. Paul Jarrett, proferiu: "De agora em diante, a questão não é mais saber se o doente pode ser operado em regime de ambulatório, mas sim se se justifica a indicação para um internamento hospitalar tradicional".
3. Juan Marín, Presidente da ASECMA e representado pelo Dr. Manuel Giner transmitia a seguinte ideia: "A CA não é simplesmente uma alta precoce ou uma estadia hospitalar curta. É sim um óptimo modelo de prestação de cuidados cirúrgicos (de uma forma segura e custo-eficiente) que implica uma profunda e radical transformação de todo o processo de prestação de cuidados".
4. Gerard Parmentier utilizou a expressão proferida por Claude Lathouwer em que "se desenvolvermos a CA sem modificar o Hospital, o nosso projecto falhará do ponto de vista económico". De facto, salientava Gerard Parmentier "Quando o sistema de saúde é financiado na base dos serviços e na da estrutura em si, então torna-se fácil encerrar camas num Hospital. Este é o objectivo encontrado em muitos países com a implementação do GDH, do qual Portugal é um exemplo. Simplesmente deve registar-se que o GDH ou se quisermos o GDA penaliza a CA, exigindo-se uma readaptação do mesmo."
5. Manuel Giner, lembrou ainda que "em zonas rurais, com população escassa e dispersa, talvez a CA com pernoita hospitalar até 23 horas pós admissão ou a construção de um Hospitel poderia ser a solução mais apropriada e efectiva. A cooperação entre o Hospital / UCAs e os Cuidados de Saúde Primários é extraordinariamente importante para estabelecer um contínuo na prestação dos cuidados de saúde o que é vital para o desenvolvimento e organização da CA em Espanha".
6. Tom Ogg resumiu dizendo que "Deve ser feito um investimento económico importante de forma a permitir o desenvolvimento de programas de CA, formação, investigação e auditorias".
Durante os três dias do Congresso houve espaço para uma ampla discussão multidisciplinar com reflexão sobre os aspectos organizativos, clínicos e de enfermagem; aqueles relativos à gestão arquitectónica do espaço físico das Unidades e ainda às questões relativas com a qualidade dos serviços prestados.
Foi opinião unânime de que o Congresso se revestiu de grande importância para o futuro desenvolvimento da CA em Portugal em especial pelo entusiasmo com que os mais de 500 participantes saíram da Cidade da Póvoa de Varzim. Os objectivos definidos pela Comissão Organizadora aquando do planeamento do I Congresso Nacional, foram amplamente atingidos. Porém, passado este período de reflexão, importa não deixar esmorecer aquele entusiasmo e capitalizar o interesse despertado pelo Congresso a todos os níveis hierárquicos: Ministério da Saúde e suas Instituições Oficiais, Administrações Regionais de Saúde e Conselhos de Administração dos Hospitais Públicos Portugueses e, finalmente, todos os Profissionais de Saúde.
Assim, em jeito de conclusão, poderíamos dizer que o desenvolvimento da CA terá necessariamente que passar por:
1. um correcto planeamento que preveja os potenciais utilizadores e o volume de intervenções cirúrgicas, que defina estratégias a curto e longo prazo com o fim de atingir os objectivos acordados, que estabeleça as necessidades de pessoal, o organigrama da Unidade e o circuito organizativo do Projecto a implementar quer na Instituição Hospitalar quer integrando os Cuidados de Saúde Primários, prevendo assim um contínuo na prestação dos cuidados de saúde;
2. um projecto arquitectónico baseado no planeamento acima indicado, com flexibilidade na estrutura de forma a permitir ampliações ou reduções da mesma no futuro, construído, idealmente, numa base de módulos;
3. um projecto financeiro que preveja custos de execução, de aquisição de equipamento, de manutenção da estrutura, que analise a viabilidade económica do Projecto;
4. um projecto clínico que preveja um staff médico e de enfermagem com experiência e de elevada qualidade, sensiblizado e motivado para a problemática inerente à CA, que estabeleça normas orientadoras para uma correcta e criteriosa selecção de doentes e procedimentos cirúrgicos, que defina protocolos de actuação médica (cirúrgica e anestésica) e de enfermagem para o pré, per e pós-operatório;
5. um sistema de informação e apoio ao doente e família, com recomendações e normas para o pré-operatório e conselhos e avisos de como proceder no caso de complicações no pós-operatório; um sistema informativo que dê confiança ao doente e lhe permita um fácil acesso aos prestadores dos cuidados de saúde, a qualquer hora;
6. uma avaliação contínua da qualidade dos cuidados de saúde através da utilização de indicadores de qualidade, que procurem identificar erros, de forma a que investigando as suas causas, possamos encontrar soluções, e consigamos melhorar os cuidados cuja prestação somos responsáveis; devemos ainda promover a implementação de auditorias internas e externas;
num sistema humanizado cujo alvo seja única e exclusivamente o doente.
Para que tudo isto seja possível não basta a boa vontade dos Profissionais de Saúde. É fundamental que o Poder Político sinta de forma clara, inequívoca, a necessidade e o interesse da CA, defina políticas promotoras do seu desenvolvimento, trace estratégias e estabeleça prioridades para o seu correcto planeamento. Será necessário que incentive as instituições hospitalares e os profissionais de saúde para a sua implementação, economicamente ou de outra forma, já que, a Legislação em vigor, ainda que permitindo o desenvolvimento da CA, penaliza-a e não é atractiva para uns e outros.
Faz-se um repto, para que numa Legislatura em que a Saúde é uma área prioritária, em que se prometeram múltiplas reformas para o sistema, seja a Cirurgia Ambulatória, uma aposta decisiva para os anos que se seguem, e que no II Congresso Nacional de Cirurgia Ambulatória que decorrerá de 6 a 8 de Maio de 2002 em Lisboa, possamos estar a discutir uma realidade bem diferente neste domínio.
*Presidente do I Congresso Nacional de Cirurgia Ambulatória
Presidente da Associação Portuguesa de Cirurgia Ambulatória