III Congresso Nacional de Cirugia Ambulatória
III CONGRESSO NACIONAL DE CIRURGIA AMBULATÓRIA
Alvor - Portimão, 3 a 5 de Maio de 2004
Dr Paulo Lemos*
RELATÓRIO DO CONGRESSO
O III Congresso Nacional de Cirurgia Ambulatória, organizado pela Associação Portuguesa de Cirurgia Ambulatória (APCA), em colaboração com a Unidade de Cirurgia Ambulatória do Hospital do Barlavento Algarvio, Portimão, e a Associação de Enfermeiros de Sala de Operações Portugueses (AESOP), decorreu de 3 a 5 de Maio de 2004, no Hotel Pestana Carlton Alvor, na localidade do Alvor, concelho de Portimão, com a presença de 450 participantes, maioritariamente médicos e enfermeiros. Incluiu ainda a realização da III Reunião Nacional de Enfermagem para Cirurgia Ambulatória, que teve lugar no dia 4 de Maio.
Esteve representado oficialmente o Ministério da Saúde, na pessoa de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado da Saúde, Senhor Dr. Carlos Martins. Entre os convidados da Comissão Organizadora contavam-se diversas personalidades nacionais e estrangeiras dos quais destacamos pelo papel que têm desempenhado no desenvolvimento internacional da Cirurgia Ambulatória (CA), os seguintes:
• Dr. Dick de Jong, Presidente da Associação Internacional de Cirurgia Ambulatória (IAAS);
• Dr. Claus Toftgaard, Presidente da Associação Dinamarquesa de Cirurgia Ambulatória (DSDK);
• Dr. Juan Marín, Membro do Comité Executivo da Associação Internacional de Cirurgia Ambulatória (IAAS);
• Dr. Filadelfo Bustos, Presidente da Associação Espanhola de Cirurgia Ambulatória (ASECMA);
De salientar ainda a presença do Prof. Dr. James Vertrees, insigne economista norte-americano, que tem feito um trabalho notável na área do financiamento hospitalar em especial no desenvolvimento e aplicação dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH), dando a conhecer de que forma irão ser no futuro objecto de financiamento todos os procedimentos efectuados, quer sejam em regime de internamento, quer ainda em regime de ambulatório.
Analisando-se a situação da CA em Portugal, os dois Inquéritos Nacionais Hospitalares efectuados pela APCA em 1999 e 2001 puderam mostrar a falta de expressão deste regime cirúrgico nos nossos hospitais públicos, tendo evoluído de cerca de 5,5% de toda a cirurgia programada para 7,2%, respectivamente. Esta realidade mantêm-se bem distante de outros países do globo: Estados Unidos da América e Canadá (65-70% de toda a cirurgia programada), Reino Unido (65%), Dinamarca e Noruega (60%), Austrália e Holanda (50%), Bélgica (45%), Espanha (35%), França e Itália (20%).
Em 31 de Março último o Senhor Ministro da Saúde apresentou oficialmente os dados do relatório de actividades dos Hospitais SA em 2003 da autoria da Unidade de Missão dos Hospitais SA, onde se refere que a expressão da CA nestes hospitais foi de 23,2%. Tornou-se claro para todos, que estes números só são possíveis se considerarmos a cirurgia minor e se a associarmos à CA. Toda a produção efectuada nos nossos hospitais deve ser considerada, qualquer que seja a sua complexidade. Contudo exige-se que saibamos definir com rigor e agrupar correctamente todo este conjunto de procedimentos de forma a podermos tirar as devidas conclusões sem demagogismos ou aproveitamentos políticos. Que a cirurgia minor sempre foi feita em regime de ambulatório ninguém o duvida. O conceito da cirurgia em regime de ambulatório é porém outro. Trata-se tão somente de um conjunto de procedimentos cirúrgicos programados, tradicionalmente realizados em regime de internamento com pernoita hospitalar, que passam a ser efectuados com todos os seus elementos constituintes (admissão, operação e alta clínica para o domicílio) durante o período de um dia normal de trabalho, sem pernoita hospitalar. Assim, e a título de exemplo, a circuncisão, a cirurgia de varizes, a hernioplastia inguinal, ou a cirurgia de catarata, passam a ser realizadas com grande frequência em regime de ambulatório. Este conjunto de procedimentos, realizados em regime de ambulatório, segundo resultados preliminares do III Inquérito Nacional sobre CA, elaborado pela APCA e executado por iniciativa conjunta com a Secretaria de Estado da Saúde, terá em 2003 uma expressão nacional que rondará os 10% de toda a cirurgia programada.
Curiosamente foi o próprio Senhor Secretário de Estado da Saúde que no seu discurso da Cerimónia de Abertura fez questão de salientar as inúmeras vantagens que estão associadas a este regime cirúrgico:
1. SANITÁRIAS:
1. clínicas - menor incidência de infecções adquiridas em meio hospitalar; menor incidência de complicações pós-operatórias.
2. organizativas - resultante de uma maior eficiência na realização dos programas cirúrgicos (o que poderá possibilitar a redução sustentada das extensas e tão mediatizadas listas de espera cirúrgica existentes no nosso país).
2. ECONÓMICAS:
1. directas, através da redução dos custos hospitalares.
2. ou indirectamente, resultante da menor morbilidade ou da reintegração socio-profissional mais rápida.
3. SOCIAIS:
1. menor ruptura do normal ambiente socio-familiar dos doentes, em especial nas faixas etárias extremas, na pediatria e na geriatria.
2. mais rápida integração socio-profissional, com repercussão mais importante na população adulta profissionalmente activa.
3. maior humanização, através da criação de Unidades específicas e funcionais para a realização de programas de CA, onde o doente é o objectivo principal.
Estas vantagens tornam a CA, e ainda segundo palavras do nosso Governante, "num caminho potenciador da qualidade, da modernidade, da eficácia, da eficiência, da acessibilidade e de cuidados mais humanizados".
Durante os três dias do Congresso houve espaço para uma ampla discussão multidisciplinar com reflexão sobre os aspectos organizativos, clínicos e de enfermagem.
Notou-se um enorme progresso nas apresentações dos nossos mais recentes programas de Cirurgia em regime de ambulatório promovidos por diferentes Hospitais do País. Houve uma crescente preocupação na apresentação não só dos seus números em termos quantitativos mas também na forma como eles foram obtidos ou na qualidade dos seus resultados.
Mostraram-se experiências internacionais de países como a Holanda, a Dinamarca ou a Espanha. Experiências essas simples, de grande qualidade e enorme eficiência. Nada que não possa ser aplicado ao nosso serviço nacional de saúde. Temos aliás já alguns bons exemplos que necessitam de ser apadrinhados e disseminados à escala nacional.
Discutiram-se aspectos técnicos que foram demonstrativos da evolução dos programas deste regime cirúrgico. Analisaram-se factores promotores da qualidade neste tipo de programas. Reflectiu-se ainda sobre o envolvimento dos diferentes intervenientes no processo organizativo, designadamente a ligação aos cuidados de saúde primários. Concluiu-se que esta área carece ainda de forte investimento, em especial na informação e formação destes profissionais de saúde no que respeita à CA.
Contudo a grande conclusão a tirar deste Congresso parece ser a de que existem de facto condições para um grande desenvolvimento da CA em Portugal nos próximos anos. Primeiro, pelo empenho do Governo que parece estar apostado neste mesmo desenvolvimento através do apoio que manifesta e das orientações políticas que parece instruir junto dos Organismos Oficiais que tutela (Direcção-Geral da Saúde, Instituto de Gestão Informática e Financeira da Saúde, Administrações Regionais de Saúde e Instituições Hospitalares). Segundo, pelos investimentos efectuados ao nível da capacidade instalada. Pelas palavras proferidas pelo Senhor Secretário de Estado da Saúde existirão na Região Norte 18 programas de CA em outras tantas Unidades Hospitalares, dos quais um terço iniciará esta actividade durante o corrente ano. Na Região Centro far-se-ão investimentos em 7 Hospitais, iniciando o programa de CA num Hospital durante o ano de 2004. Na Região de Lisboa e Vale do Tejo, o investimento incluirá cerca de metade dos Hospitais desta Região, existindo CA em metade destes pela primeira vez. Nas Regiões do Alentejo e do Algarve far-se-ão investimentos em duas Instituições (Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, e Hospital Distrital de Faro, respectivamente), prevendo-se em breve o início do programa de CA no Hospital Distrital de Faro, já que em Beja se encontra em pleno desenvolvimento. Terceiro, a inflexão, ainda que titubeante, sentida no âmbito do financiamento não só através do alargamento (embora insuficiente) no número de GDH's existentes para CA, como ainda no acréscimo do valor base de pagamento de 50% para 65% dos preços médios adoptados para o internamento. Quarto, e último, o entusiasmo sentido pelos profissionais de saúde para a prática deste regime cirúrgico não só pelo elevado nível de participação como também pela forma activa como acompanharam este evento científico.
Parece assim haver sinais para algum optimismo e condições para o desenvolvimento sustentado de programas de CA no nosso País. E para imprimir maior confiança neste nosso desejo aqui deixamos os 6 compromissos assumidos pelo Ministério da Saúde para o biénio 2004-2005, na pessoa do Senhor Secretário de Estado da Saúde durante o discurso proferido na Cerimónia de Abertura:
1. Continuar a investir na CA de forma descentralizada, em termos de instalações e equipamentos;
2. Manter linhas de financiamento comunitário através do Programa Saúde XXI, estimulando e apoiando de formar complementar os esforços financeiros das ARS's e dos Hospitais;
3. Criar, no segundo semestre de 2004, uma task-force, na dependência da Secretaria de Estado da Saúde para transformar as "Recomendações para o desenvolvimento da Cirurgia Ambulatória" na desejada Rede de Referenciação Hospitalar;
4. Continuar a reestruturar o modelo de financiamento da CA, assumindo a participação da APCA nos trabalhos com o IGIF e tendo em atenção as suas recentes propostas;
5. Criar campos próprios nos sistemas de informação do Ministério de forma a monitorizarmos a evolução da CA e, semestralmente, transmitirmos essa informação à APCA, cruzando assim os indicadores e potenciando a avaliação sistemática e anual, com rigor e transparência;
6. Criar as condições necessárias para termos em 2006, no mínimo 25% de CA no total da cirurgia programada efectuada em Portugal, não descurando o objectivo defendido pela APCA que é chegar aos 30%.
Espera-se assim que estes compromissos possam ser concretizados de forma a conseguirmos também através da CA melhorar a eficiência, a qualidade, a acessibilidade e a humanização do Serviço Nacional de Saúde Português, colocando todas as vantagens clínicas, económicas e sociais que se associam a este regime cirúrgico, ao serviço dos portugueses e da sua Sociedade.
*Presidente do III Congresso Nacional de Cirurgia Ambulatória
Presidente da Associação Portuguesa de Cirurgia Ambulatória
Membro do Comité Executivo da Associação Internacional de Cirurgia Ambulatória